Médicos Emergencistas trabalham na Emergência, Pronto-Atendimento e Sala de Ressuscitação. Atendemos a tudo o que vai entrando pela porta, não importando a quantidade ou velocidade com que entre. Em verdade somos a porta da frente do hospital. A única porta que nunca se fecha. A especialidade é definida por diversas características que, a depender do seu ponto de vista, são virtudes ou vícios e por vezes são as duas coisas ao mesmo tempo. Por isso mesmo as apresentarei no formato de prós X contras.
1. O paciente indiferenciado
Nenhum outro especialista lida rotineiramente com tantos pacientes sobre os quais ele nada sabe. O nosso paciente típico foi encontrado em coma na rua. Ele pode estar a minutos de sua morte ou somente muito bêbado e precisando de um cochilo. Nós precisamos diferençar sem sequer saber seu nome, quem dirá sua história patológica pregressa ou eventos precipitantes do quadro atual. Fazer esse diagnóstico é muito divertido.
Por outro lado, a incerteza é moeda corrente da Medicina de Emergência. Nós somos obrigados a tomar decisões muito importantes com pouquíssima informação. Nós erramos muito. Por vezes, quando erramos, o paciente morre. Aprender a se sentir confortável diante da incerteza é difícil.
2. Velocidade
Médicos Emergencistas tem que pensar e agir rapidamente. Pesquisas concluíram que a Medicina de Emergência tem a maior densidade de informações por decisão não só entre todas as especialidades médicas como de qualquer outra realização humana. Isso é fantástico pra quem é hiperativo e precisa de estímulo constante. Também é ótimo porque faz com que os plantões passem muito rápido; eu por exemplo me vi diversas vezes com a sensação de que tinha acabado de chegar e já era hora de sair.
Por outro lado, quando se trabalha na emergência, é sempre pesado. Há enorme exigência física.
3. Atendimento sem acompanhamento
Médicos Emergencistas não acompanham os pacientes. Quando você está de folga, está de folga de verdade. Posso desligar meu telefone quando quiser. Essa folga de verdade é uma grande vantagem do ponto de vista da qualidade de vida, porque quando seu plantão acaba às 19h e você tem planos para as 21h, você não falta, não cancela de última hora, não se atrasa nem é interrompido.
Por outro lado, nós não formamos vínculos com pacientes, até mesmo porque os contumazes usuários de emergências são o tipo de pessoas com as quais você não quer formar vínculos. A Medicina de Emergência pode parecer impessoal e é mais difícil aprender com os próprios erros quando as consequências dos seus erros só aparecem quando o paciente não está mais nas suas mãos. Mas o maior problema aqui é que você nunca ganha presentinhos quando chega o Natal.
4. Trabalhar em regime de plantão
A agenda de Médicos Emergencistas é mais flexível – se eu quero um mês de folga, simplesmente aviso com antecedência, troco ou repasso meus plantões. Esse aspecto combinado com o atendimento sem acompanhamento dá aos emergencistas um tipo de liberdade que não se encontra na maioria das especialidades.
Por outro lado, trabalhamos em turnos sem rotina fixa, incluindo noites. Esse é provavelmente o maior desafio para Médicos Emergencistas. Se você precisa de horários certos para dormir, essa especialidade não é pra você. A Emergência nunca fecha. Assim, se trabalha de noite, finais de semana, feriados… A gente se orgulha de estar sempre a postos pra qualquer coisa, a qualquer hora, mas por vezes isso nos dessincroniza com o resto do mundo.
5. A porta da frente
Nós somos a rede de proteção de todos e, por mais que o sistema mude, isso não vai mudar tão cedo. A Emergência fica sempre no térreo, o acesso é fácil pra quem precisa. Isso te faz sentir-se útil pra comunidade e te dá uma percepção clara do quanto pode ajudar às pessoas que realmente precisam.
Por outro lado, seu fluxo de trabalho é ditado pelo que entra pela porta, o que é quase sempre totalmente imprevisível. A Emergência encontra-se constantemente em um estado de caos controlado – e por vezes totalmente fora de controle. Muitos dos meus pacientes estão tendo o pior dia de suas vidas. Muitos dos meus pacientes vivem à margem da sociedade e um dia normal deles é pior do que o pior dia da vida da maioria das pessoas. É um grande desafio cuidar desses pacientes.
6. Espectro de doenças
O que você puder imaginar, nós já vimos na Emergência. Nenhuma outra especialidade sequer se aproxima da multiplicidade de apresentações e diagnósticos que podem aparecer em um único plantão. E a gente se diverte muito com tanta coisa diferente.
Por outro lado, Médicos Emergencistas usam constantemente o parecer de especialistas. Eu fico um bocado de tempo ao telefone falando com pessoas para os quais eu estou dando trabalho, então muitas vezes eles não querem falar comigo. Além disso, quando ligo para um especialista, sempre falo com alguém que sabe sobre aquilo mais do que eu. Quando tenho um problema de neurologia complexo, ligo pro neurologista e falo com ele sobre neurologia. Quando eu tenho um complexo problema de dermatologia, ligo para o dermatologista e falo sobre dermatologia. E algumas vezes esses especialistas assumem um ar de superioridade insuportável. Isso é mais comum entre os especialistas que nunca passam pela Emergência e por isso não nos conhecem nem nos assistem reduzindo fraturas, ressuscitando pacientes, intubando obesos, drenando tórax, tratando infartos, AVCs, dando conforto ao senhor de 96 anos com CA terminal em seus últimos momentos… Pra quem brilha nesse ambiente, pedir parecer de especialista pode doer no ego. Pra ser Emergencista, você tem que se sentir confortável nessa relação com outros especialistas.
Dr Reuben Strayer é Emergencista, ASSISTANT CLINICAL PROFESSOR of Emergency Medicine no Mont Sinai Hospital, New York-NY.
(Texto originalmente publicado em http://emupdates.com/2011/09/06/the-virtues-and-vices-of-emergency-medicine/ Traduzido para o português e adaptado por Dr Denis Colares, Médico Emergencista.)