Autora: Barbara Ehrenreich
Nos últimos anos, desisti de muitas abordagens médicas – rastreamento de câncer, exames anuais, exames de Papanicolau, por exemplo – esperados de uma pessoa responsável e que tem plano de saúde. Isto não foi baseado em nenhum impulso suicida. Nem sei se posso chamar de decisão, foi mais como um acúmulo de microdecisões: ficar na minha mesa de trabalho e conseguir cumprir um prazo ou comparecer ao consultório do clínico e me submeter ao mais moderno teste para avaliar minha sustentabilidade biológica; passar a tarde no ambiente artificial com aquela decoração falso-acolhedora de um consultório médico ou dar um passeio. No começo, eu me culpava e me achava preguiçosa e procrastinadora, afinal de contas estava deixando de lado coisas simples e óbvias que poderiam prolongar minha vida. Afinal, essa é a grande promessa da medicina científica moderna: você não precisa ficar doente e morrer (pelo menos por enquanto), porque os problemas podem ser detectados “cedo” quando são prontamente tratáveis. É melhor pegar um tumor quando é do tamanho de uma azeitona do que de um melão.
Eu sabia que estava indo contra o meu próprio e muito antigo viés que favorece cuidados médicos preventivos, ao invés de intervenções curativas de alta tecnologia caras e invasivas. O que poderia ser mais ridículo do que um hospital do centro da cidade que oferece uma câmara hiperbárica, mas não oferece um serviço para detectar o envenenamento por chumbo na comunidade? Do ponto de vista da saúde pública, assim como do ponto de vista pessoal, faz muito mais sentido rastrear problemas evitáveis do que investir recursos enormes no tratamento de pessoas muito doentes.
Eu entendi ainda que eu estava indo no sentido oposto da multidão para meu grupo demográfico em particular. A maioria dos meus amigos formados de classe média começou a dobrar seus esforços relacionados à saúde no início da meia-idade, se não antes. Eles treinam em academias ou praticam ioga; eles preenchem seus calendários com os próximos exames médicos e testes; eles se gabavam de suas contagens de colesterol “boas” e “ruins”, seus batimentos cardíacos e pressão arterial. A maioria compreendia que a tarefa de envelhecer era a autonegação, especialmente no campo da dieta, onde um modismo médico, um estudo ou outro, condenava a gordura e a carne, carboidratos, glúten, laticínios ou todos os produtos derivados de animais. Na cabeça dos que “cuidam da própria saúde” que tem prevalecido entre as pessoas ricas do mundo há cerca de quatro décadas, a saúde é indistinguível da virtude, alimentos saborosos são “pecaminosamente deliciosos”, enquanto alimentos saudáveis podem ter sabor suficiente para serem anunciados como “pode comer sem culpa”. E aqueles que caem em tentação, pra compensar o lapso realizam medidas punitivas como jejuns, expurgos ou dietas compostas de diferentes sucos cuidadosamente sequenciados ao longo do dia.
Eu tive uma reação diferente ao envelhecimento: gradualmente percebi que tinha idade suficiente para morrer, e não estou sugerindo que cada um de nós tenha uma data de validade. Obviamente, não existe uma idade fixa em que uma pessoa deixe de merecer mais investimento médico, seja na prevenção ou na cura. Os militares julgam que uma pessoa tem idade suficiente para morrer – para se colocar na linha de fogo – aos 18 anos. No outro extremo da vida, muitos continuam líderes mundiais em seus setenta anos ou até mais, sem ninguém questionar sua necessidade. para testes contínuos e cuidados. O presidente do Zimbábue, Robert Mugabe, completou recentemente 90 anos e passou por vários tratamentos para o câncer de próstata.
Se julgarmos pelos obituários dos jornais, no entanto, notamos que há uma idade em que a morte não requer mais muita explicação. Embora não haja uma regra editorial geral sobre esses assuntos, geralmente é suficiente quando o falecido está na faixa dos setenta anos ou mais para o escritor do obituário invocar “causas naturais”. É triste quando alguém morre, mas ninguém pode considerar a morte de um septuagenário “trágico”, e não haverá demanda por uma investigação.
Quando percebi que tinha idade suficiente para morrer, decidi que também tinha idade suficiente para não suportar mais sofrimento, aborrecimento ou tédio na busca de uma vida mais longa. Eu como bem, o que significa que escolho alimentos com sabor bom e que evitam a fome pelo maior tempo possível, como proteínas, fibras e gorduras. Eu me exercito – não porque me faça viver mais, mas porque me sinto bem quando o faço. Quanto aos cuidados médicos: procurarei ajuda para um problema urgente, mas não estou mais interessada em procurar problemas que permanecem indetectáveis para mim. Idealmente, a determinação de quando alguém tem idade suficiente para morrer deve ser uma decisão pessoal, baseada no julgamento dos benefícios prováveis, se houver, dos cuidados médicos e – tão importante em uma certa idade – como escolhemos passar o tempo que nos resta.
Ao mesmo tempo, sempre questionei quaisquer procedimentos recomendados pelos profissionais de saúde; na verdade, faço parte de uma geração de mulheres que insistiram em seu direito de fazer perguntas sem ter a palavra “não cooperativa” – ou pior – escrita em seus registros médicos. Então, quando alguns anos atrás meu médico de cuidados primários me disse que eu precisava de um escaneamento de densidade óssea, eu perguntei a ele o porquê: o que poderia ser feito se o resultado fosse positivo e se descobrisse que meus ossos estavam escavados pela idade? Felizmente, ele respondeu, agora havia uma droga para isso. Eu disse a ele que estava ciente da droga, tanto de seus anúncios de página inteira de revista quanto de artigos na mídia questionando sua segurança e eficácia. Pense na alternativa, ele disse, que pode ser, digamos, uma fratura de quadril, seguida por uma rápida descida até a necessidade de morar em um asilo.
Sendo assim, admiti a contragosto que a realização do teste, que não é invasivo e é coberto pelo meu plano de saúde, poderia ser preferível à imobilidade e à institucionalização. O resultado foi um diagnóstico de “osteopenia”, ou afinamento dos ossos, uma condição que poderia ser alarmante se eu não tivesse descoberto que ela é compartilhada por quase todas as mulheres com idade acima de 35 anos. Osteopenia é, em outras palavras, não uma doença, mas uma característica normal do envelhecimento. Um pouco mais de pesquisa, tudo em fontes prontamente disponíveis, revelou que a varredura óssea de rotina tinha sido fortemente promovida e até subsidiada pelo fabricante do medicamento. Pior, a medicação preferida no momento do meu diagnóstico acabou por causar alguns dos problemas que deveria prevenir – degeneração óssea e fraturas. Um cínico pode concluir que a medicina preventiva existe para transformar as pessoas em matéria-prima para um complexo médico-industrial sedento de lucro.
Minha primeira grande deserção do regime de rastreamento exigido foi precipitada por uma mamografia. Ninguém gosta de mamografia, a qual equivale a um esforço de força bruta para tornar os seios transparentes. Primeiro, um seio é achatado entre duas placas, então é bombardeado com radiação ionizante, que é, incidentalmente, o único fator ambiental reconhecidamente causador de câncer de mama. Eu tinha sido bastante obediente sobre mamografia desde que tinha sido tratada para o câncer de mama na virada do milênio, e agora, cerca de 10 anos depois, o consultório do ginecologista relatou que eu tinha uma “mamografia ruim”. Passei as semanas seguintes altamente ansiosa e passando por mais testes, no meio das quais eu consegui ganhar uma multa por “direção irregular”. Naturalmente eu estava distraída – pela decisão iminente de passar por tratamentos de câncer debilitantes novamente, ou simplesmente deixar a doença seguir seu curso dessa vez.
No final das contas descobri, depois de passar por um ultrassom e ter lutado contra o pânico em um tubo de ressonância magnética semelhante a um caixão, que a “mamografia ruim” era um falso positivo resultante das novas formas digitais altamente sensíveis de geração de imagens. Essa foi a minha última mamografia. Para que isso não pareça uma decisão imprudente, fui apoiada por um oncologista da Cidade Grande, que viu todas as minhas imagens médicas e disse que não haveria necessidade de me ver mais, o que eu interpretei como“nunca mais.
Depois disso, todo encontro médico ou dentário parecia terminar em uma briga. Os dentistas – e eu encontrei vários deles em minhas viagens pelo país – sempre quiseram um novo conjunto de raios X, mesmo que o único problema fosse uma pontinha de dente quebrado. Tudo o que eu conseguia pensar era nas máquinas de raio-X que toda loja de sapatos havia oferecido na minha juventude, através das quais as crianças eram encorajadas a espreitar os ossos dos pés enquanto balançavam os dedos dos pés. A diversão terminou na década de 1970, quando esses “fluoroscópios” foram banidos como fontes perigosas de radiação. Então, por que eu deveria rotineiramente expor minha boca, que é muito mais propensa a câncer do que os pés, a altas doses anuais de roentgens? Se havia algum motivo para suspeitar de problemas estruturais subjacentes, tudo bem, mas apenas para satisfazer a curiosidade do dentista ou alcançar algum “padrão de tratamento” abstrato – não.
Em todos esses encontros, fiquei impressionado com a maneira como os profissionais simplesmente ignoravam meu relato pessoal e subjetivo – em geral, algo como “me sinto bem” – mas valorizavam os resultados das descobertas ocultas de seus equipamentos. Um certo médico, mesmo sem que eu reclamasse de quaisquer sinais ou sintomas óbvios, decidiu medir minha capacidade pulmonar com o novo instrumento portátil que ele havia adquirido para essa finalidade. Eu respirei, conforme as instruções, o mais forte que pude, mas minha respiração não registrou em sua tela. Ele mexeu no instrumento, parecendo profundamente preocupado, e me disse que eu parecia estar sofrendo de uma obstrução pulmonar. Em minha defesa, argumentei que faço pelo menos 30 minutos de exercícios aeróbicos por dia, sem contar a caminhada comum, mas fui educado demais para demonstrar que ainda era capaz discutir oralmente de forma intensa.
Foi o meu dentista, por incrível que pareça, que sugeriu, durante um obturação comum, que eu fosse testada para a apneia do sono. Como um dentista se envolveu no que normalmente é o domínio de especialistas em ouvido, nariz e garganta, eu não sei, mas ela recomendou que a triagem fosse feita em um “centro do sono”, onde eu tentaria dormir enquanto dispositivos de monitoramento. Depois dos teste eu poderia comprar o tratamento dela: uma horrível máscara em forma de caveira que supostamente impediria a apneia do sono e definitivamente extinguiria qualquer última possibilidade de atividade sexual. Mas quando eu protestei que não há evidências de que eu sofra desse distúrbio – nenhum sintoma ou sinal detectável – o dentista disse que eu poderia não estar ciente disso, acrescentando que isso poderia me matar em meu sono. “Olha, ‘morrer durante o sono’é uma perspectiva com a qual posso viver”, eu disse à ela.
Assim que cheguei aos 50 anos de idade, os médicos começaram a recomendar – e em um caso até imploraram – que eu fizesse uma colonoscopia. Como no caso das mamografias, a pressão para se submeter a uma colonoscopia é difícil de evitar. Celebridades as promovem, quadrinhos zombam deles. Durante o mês de março, mês da Consciência do Câncer Colorretal, uma réplica inflável de dois metros de altura de um cólon percorre o país, permitindo que os “analmente” curiosos passem e inspecionem pólipos potencialmente cancerígenos “de dentro”. Mas se a mamografia parecer refinado tipo de sadismo, as colonoscopias imitam uma agressão sexual real. Primeiro, o paciente é sedado – muitas vezes com o que é popularmente conhecido como “boa noite, Cinderela”, Versed – e depois um longo tubo flexível, com uma câmara em uma extremidade, é inserido no reto e até o cólon. O que me repeliu ainda mais do que esse procedimento perverso foi o dia do jejum e dos laxantes que deveriam precedê-lo, a fim de garantir que a pequena câmara encontrasse algo diferente de fezes. Esse exame eu adiava todo ano, até que finalmente me senti segura, sabendo que, como o câncer de cólon geralmente é de crescimento lento, é improvável que qualquer pólipo cancerígeno floresça até que eu já esteja perto de morrer por outras causas.
E aconteceu que meu clínico, o Diretor de um grupo de médio porte, enviou uma carta anunciando que estava suspendendo sua prática comum para oferecer um novo nível de “atendimento de concierge” para aqueles dispostos a desembolsar US$ 1.500,00 por ano além do que eles já pagam pelo plano de saúde. O atendimento de elite incluiria acesso 24 horas ao médico, visitas domiciliares e, a carta prometia, todos os tipos de testes e exames, além dos rotineiros. Foi quando minha decisão se cristalizou: marquei uma consulta e disse a ele cara a cara que pra começo de conversa fiquei consternada com sua disposição de deixar seus pacientes menos abastados, que pareciam compor grande parte da população de sala de espera. E que eu não queria mais testes; Eu queria um médico que pudesse me proteger de procedimentos desnecessários. Eu permaneceria com as massas de pacientes ordinários e descartados ao acaso.
É claro que toda essa triagem e testes desnecessários acontecem porque os médicos pedem, mas há uma crescente rebelião dentro da profissão médica. O diagnóstico exagerado está começando a ser reconhecido como um problema de saúde pública, e às vezes é chamado de “epidemia”. É um assunto apropriado para conferências médicas internacionais e livros carregados de evidências, como “Super-diagnosticados: tornar as pessoas doentes em busca de saúde” por H. Gilbert Welch e seus colegas de Dartmouth, Lisa Schwartz e Steve Woloshin. Até mesmo a colunista de saúde Jane Brody, há muito uma animadora de torcida para os cuidados preventivos padrão, agora recomenda que pensemos duas vezes antes de nos submetermos ao que antes eram procedimentos de triagem de rotina.
O médico e blogueiro John M. Mandrola aconselha sem rodeios: em vez de ter medo de não detectar doenças, tanto os pacientes como os médicos devem ter medo da assistência médica. A melhor maneira de evitar erros médicos é evitar cuidados médicos. O padrão deve ser: estou bem. A maneira de continuar assim é continuar fazendo boas escolhas – não fazer com que meu médico procure problemas. Com a idade, a análise de custo / benefício muda. Por um lado, os cuidados de saúde tornam-se mais acessíveis – para os americanos, afinal – aos 65 anos, quando uma pessoa é elegível para o Medicare. Exortações para passar por exames e testes continuam, com entes queridos se juntando ao coro. Mas no meu caso, o apetite por interações médicas de qualquer tipo diminui a cada semana que passa. Suponhamos que os cuidados preventivos revelassem alguma condição que exigiria tratamentos agonizantes ou sacrifícios de minha parte – cirurgia desfigurante, radiação, limitações drásticas no estilo de vida. Talvez essas medidas possam acrescentar anos à minha vida, mas seria uma vida dolorosa e esgotada que elas prolongaram.
No seu estado atual, a medicina preventiva geralmente se estende ao final da vida: pessoas com 75 anos são encorajadas a fazer mamografia; as pessoas que já estão sob o controle de uma doença terminal podem ser submetidas a exames para outras doenças. Em uma reunião médica, alguém relatou que uma mulher de 100 anos de idade tinha acabado de fazer sua primeira mamografia, fazendo com que a platéia “vibrasse”. Uma razão para o desejo compulsivo de testar e selecionar e monitorar é o lucro, e isso é especialmente verdadeiro nos Estados Unidos, com seu sistema de saúde altamente privado e com fins lucrativos. Como é que um médico – ou hospital ou empresa farmacêutica – pode ganhar dinheiro com pacientes essencialmente saudáveis? Submetendo-os a testes e exames que, em quantidade suficiente, são obrigados a detectar algo errado ou, pelo menos, digno de acompanhamento. Gilbert e seus co-autores oferecem uma analogia vívida, emprestada de um especialista em geometria fractal: “Quantas ilhas cercam as costas da Grã-Bretanha?” A resposta, claro, depende da resolução do mapa que você está usando, e também de como você está definindo um “ilha”. Com tecnologias de alta resolução, como tomografia computadorizada, a detecção de pequenas anormalidades é quase inevitável, levando a mais testes, prescrições e consultas médicas. E a tendência para o excesso de teste é amplificada quando o médico que recomenda os testes tem um interesse financeiro na instalação de rastreamento ou de imagem para a qual ele encaminha as pessoas.
Não é apenas um sistema de saúde com fome de lucros que impulsiona o excesso de testes e o diagnóstico excessivo. Consumidores individuais, isto é, pacientes antigos e potenciais, podem exigir o teste e até mesmo ameaçar um processo de negligência se sentirem que está sendo retido. Nas últimas duas décadas, grupos de “defesa do paciente” surgiram para “marcar” dezenas de doenças e divulgar a necessidade de exames. Muitos têm seus próprios porta-vozes – Katie Couric para câncer coloretal, Rudy Giuliani para câncer de próstata – e cada um tem sua própria fita colorida – rosa para câncer de mama, roxo para testicular, preto para melanoma, um padrão de quebra-cabeça para o autismo e assim por diante – bem como dias ou meses especiais para esforços concentrados de publicidade e lobby. O objetivo de tudo isso é geralmente “conscientização”, ou seja, uma disposição para passar pela triagem apropriada, como mamografias e testes de PSA.
Existem até defensores persistentes para testes desacreditados. Quando a Força-Tarefa de Serviços Preventivos dos EUA decidiu retirar sua recomendação de mamografias de rotina para mulheres com menos de 50 anos, até mesmo algumas organizações feministas de saúde feministas, que eu esperava serem mais críticas às práticas médicas convencionais, manifestaram-se em protesto. Uma pequena faixa de mulheres, identificando-se como sobreviventes de câncer de mama, fez uma demonstração em uma rua fora do escritório da força-tarefa, como se exigisse que seus seios fossem apertados. Em 2008, a mesma força-tarefa deu ao PSA o teste de “D”, mas defensores como Giuliani, que insistiram que o teste salvou sua vida, continuaram a pressioná-lo, assim como a maioria dos médicos.
Muitos médicos justificam testes de valor duvidoso pela “paz de espírito” que supostamente conferem – exceto, é claro, àqueles que recebem resultados falso-positivos. O câncer de tireoide é particularmente vulnerável ao diagnóstico excessivo. Com a introdução de técnicas de imagem mais poderosas, os médicos conseguiram detectar muitos pequenos caroços nos pescoços das pessoas e removê-los cirurgicamente, quer a cirurgia fosse garantida ou não. Estima-se que 70% a 80% das cirurgias de câncer de tireóide realizadas em mulheres americanas, francesas e italianas na primeira década do século XXI tenham sido consideradas desnecessárias. Na Coréia do Sul, onde os médicos eram especialmente conscientes sobre a triagem da tireoide, o número subiu para 90% (os homens também foram super-diagnosticados, mas em números muito menores). Os pacientes pagam um preço por essas cirurgias, incluindo uma dependência vitalícia dos hormônios da tireoide. E como estes nem sempre são totalmente eficazes, o paciente pode ficar cronicamente “deprimido e lento”.
Até agora, não consigo detectar a revolta popular contra o regime de exames médicos desnecessários e muitas vezes prejudiciais. Dificilmente alguém admite rejeitar pessoalmente os testes, e um que o fez – o escritor de ciência John Horgan em um blog da Scientific American sobre por que ele não passará por uma colonoscopia – enfraqueceu seu argumento bem fundamentado descrevendo a si mesmo como um “fanático anti-exames”. A maioria das pessoas faz piadas sobre o desagrado dos procedimentos recomendados, enquanto se submetem ao que se espera deles. Mas há uma rebelião significativa se formando em outra frente. Cada vez mais, lemos sobre a “medicalização do morrer”, geralmente focada em um pai ou avô que embora tivesse deixado claro seu pedido por uma morte natural e não-médica, acabou amarrado por cabos e tubos a uma cama de UTI. Os médicos veem isso o tempo todo – pessoas espirituosas silenciadas por ventiladores, a incontinência fastidiosa – e alguns estão determinados a não deixar que a mesma coisa aconteça a eles mesmos. Eles podem recusar o cuidado, sabendo que é mais provável que leve à incapacidade do que à saúde, como o ortopedista que, ao receber um diagnóstico de câncer de pâncreas, encerrou imediatamente sua prática e foi para casa para morrer em relativo conforto e paz. Alguns médicos são mais decididamente proativos e têm tatuados “NO CODE” ou “DNR”, que significa “não reanimar”. Eles rejeitam as mesmas medidas drásticas de final de vida que rotineiramente infligem aos seus pacientes.
Ao desistir da “Medicina” Preventiva, estou apenas levando essa linha de pensamento um passo adiante: não apenas rejeito o tormento de uma morte medicalizada, mas me recuso a aceitar uma vida medicalizada, e minha determinação apenas se aprofunda com a idade. À medida que o tempo que me resta encolhe, cada mês e dia se tornam preciosos demais para gastar em salas de espera sem janelas e sob o escrutínio frio das máquinas. Ter idade suficiente para morrer é uma conquista, não uma derrota, e a liberdade que ela traz vale a pena celebrar.
Retirado do livro: Natural Causes: An Epidemic of Wellness, the Certainty of Dying, and Killing Ourselves to Live Longer
Tradução e adaptação: Dr Denis Colares, médico Emergencista.
Barbara Ehrenreich é autora de mais de uma dúzia de livros, incluindo o bestseller do New York Times, “Nickel and Dimed”. Vencedor do Prêmio Erasmus de 2018 por seu trabalho como jornalista investigativa, ela tem um PhD em imunologia celular da Universidade Rockefeller e escreve frequentemente sobre cuidados de saúde e ciência médica, entre muitos outros assuntos. Ela mora na Virgínia.